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tenho uma coisa para vos dizer: a minha vida mudou!
Era já tarde, mas não muito, apenas estava na hora de almoço (bela hora para nos mudar a vida)...quando das brumas de uma memória chamada televisão vejo agradavelmente que alguém sei lá de onde...(e agora deixem que respire fundo para sentir o sentido de tudo)...puxa com os dentes uma série de carruagens!!! O que na minha vida existia de cultura pop ou apenas literatura de bolso foi superado....sim, ou não....senti, assim, naquele momento íntimo que algures no meu corpo algo mudou, que repensou a sua existência.
Eu vi a luz!
futilidades cabem tanto no cesto dos parolinhos, dos tão chiques como dos tão intelectuais.
nunca gostei, nem me parece que venha a deixar de gostar deste tipo, cada vez tão característico de pessoa que só gosta ou simpatiza ou é amigo de alguém, apenas porque lê o mesmo livro que eu leio, ouve a música que eu ouço, vê as mesmas séries de tv que eu também vejo, compra a roupa onde eu compro, vota no mesmo partido que eu também voto, pensa exactamente como eu penso, fuma o que eu fumo, bebe o que eu bebo...
lamento, mas não é isso que chega para fazer e durar o amigo ou a amiga. o que as junta nesses casos são as afinidades, os gostos, as manias...
mas e o resto que faz o tudo? A partilha...o mostrar que há um lado do outro que não conheces, que afinal até há um café que não faz parte da tua lista mas que o vais conhecer, que há uma música que faz parte da tua vida e que o outro não tem obrigatoriamente que gostar, que não falas a mesma linguagem técnica mas que não a importas de a ouvir...
é sintomático. quando às vezes pensamos que somos tão modernos somos piores que os piores dos piores dos mais antigos ou retardados. somos cada vez mais um bolo social repartido por partes que se afastam e afastam, ignoram e deixam outros do lado do prato...
é sintomático. repetitivo.
Dá-me tempo para eu crescer desta desilusão que foi o nosso crescimento. Deixa-me aprender a ler, a ouvir, a ver tudo aquilo que perdi. Talvez com exageros, talvez com falhas. Sei que vou errar e vou chorar tudo aquilo que possa ter perdido. Quero acordar na pura sensação de que tudo passou e tenho um novo horizonte que me diz que tenho um voo à minha espera ou um carro com a primeira já metida. Dá-me todo esse tempo, que não faço ideia sequer se preciso dele, para saber o que tu, coração, me dizes quando bates sem parar num momento qualquer do dia.
Anoitece, entardece o tempo que tempos para viver e não sei se tenho tempo para te poder dizer que sim. Permite-me o erro e acolhe-me, se errei. Deixa que eu repita a lenga-lenga para que possa ser feliz. Deixa que eu desfaça o novelo desta paixão ou deste amor e entenda o seu caminho...até onde ele vai ter. Deixa que o faça.
descobri-te naquele ano improvável no meio de uma multidão que enchia toda a plateia. estavas à minha frente, á nossa frente, de cara para nós, de voz para nós. inundaste todas as minhas veias com o teu perfume ritmado de uma jovem que cresce. ardente. muito quente. rouca.
pensei não descobrir todo o teu todo que querias dizer, mas se por falar fosse fácil de entender eu seria então sempre o teu cobertor de todas as estações. e acompanhas-me assim nas minhas penúmbras ou modestas loucuras.
juntos na cave unidos por um mesmo microfone, pelo mesmo feedback e juntos vamos para a cama a pensar no que é o amor.
tenho este café para partilhar contigo, sentado numa mesa qualquer de um local qualquer de uma vida qualquer. sabe bem saber que esse café tem a nossa idade, conhece-nos o gosto e rodopia sozinho sem que precisemos sequer da colher. temos o açucar que é todo nosso, sem espaço nenhum para uma qualquer palavra azeda. sabemos tão bem partilhar o nosso café.
(foto retirada do site do Público)
Não sabia mesmo que Eduardo Prado Coelho tinha falecido, soube por ti lahanna, e de facto apreciava muito o que ele escrevia e dizia, e tenho alguns artigos dele que guardo porque são textos de referência. Talvez nem sempre de uma objectividade clara e de leitura generalista, mas quando o era tinha o dom de escrever textos que, para mim, parecem ser pedaços de futuro. Culturalmente original.
as caras. as vozes. as mãos. e fazemos assim o nosso bolo humano. chegamos e partimos da mesma praia. sobrevivemos, e sim, o quanto temos sobrevivido a mil e uma tempestades e guerras sem armas, sem bombas...
e sim, muitos sim...de luta contra o vento para que não se vire o guarda-sol, de esperança para que o vento mude, de força para que o tapa-vento não caía , de vontade que o sol permaneca a aquecer o nosso corpo.
mas há uma respiração profunda, muito profunda que roubaria todo o vento norte que invade a nossa praia. mas porquê? em resultado de quê?
um verão que não poderia melhor retratar este verão. chuva. sol.
Encosta-te a mim,
nós já vivemos cem mil anos
encosta-te a mim,
talvez eu esteja a exagerar
encosta-te a mim,
dá cabo dos teus desenganos
não queiras ver quem eu não sou,
deixa-me chegar.
Chegado da guerra,
fiz tudo p´ra sobreviver em nome da terra,
no fundo p´ra te merecer
recebe-me bem,
não desencantes os meus passos
faz de mim o teu herói,
não quero adormecer.
Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo
o que não vivi, hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim.
Encosta-te a mim,
desatinamos tantas vezes
vizinha de mim, deixa ser meu o teu quintal
recebe esta pomba que não está armadilhada
foi comprada, foi roubada, seja como for.
Eu venho do nada porque arrasei o que não quis
em nome da estrada onde só quero ser feliz
enrosca-te a mim, vai desarmar a flor queimada
vai beijar o homem-bomba, quero adormecer.
Tudo o que eu vi,
estou a partilhar contigo o que não vivi,
um dia hei-de inventar contigo
sei que não sei, às vezes entender o teu olhar
mas quero-te bem, encosta-te a mim
(Jorge Palma, in Voo Nocturno)
de Sándor Márai