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DE VOLTA OUTRA VEZ
eu, tu...e o palco.
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por devoltaoutravez, em 06.04.09
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2 comentários
De Anónimo a 08.04.2009 às 09:18
Morreu identificado como um sem-abrigo.
Era retornado. Retornou a um País que pouco lhe dizia, a não ser que era a naturalidade dos seus pais. Voltaram em família de um País de espírito solto, horizontes largos, de cheiros e sensações fortes. Que crescia e queria continuar a crescer. Mas, tal como um castelo de cartas, tudo se desmoronou.
O regresso não foi fácil. Foram perdas atrás de perdas: doenças, acidentes, vida. Restaram apenas dois irmãos, dos cinco elementos da família.
Um, declaradamente, resignou-se, em contraditório, em mordaça, inseriu-se. O outro, não. Tinha uma forma de pensar muito para lá da capacidade de entendimento do homem social comum de ontem e de hoje. Era estudioso, inventivo, e inquieto nos gestos e no pensamento. Tinha fome do mundo e esquecia a do corpo. Quando despertava para as necessidades físicas, pedia. Pedia à família, pedia aos amigos. Nunca foi capaz de roubar. Mas sujeitava-se a pedir. E muitos passaram a não vê-lo… Ou a vê-lo como desconhecido, como ponto a contornar. Por fim partiu, sem planos traçados, por esta Europa fora. Era preciso, sentia-se como uma rotunda em que poucos ousavam parar.
Passaram-se dois anos sem notícias do ponto, que muitos passaram a contornar.
Mas o momento era de escuridão violenta e difícil de ultrapassar, disseram-lhe. Soube-se que pediu desculpa, ligaria noutro dia. Desculpa de quê?! A sua ponte era a boa noticia, era uma luz em dias tão escuros! Desligou …, não falou com quem queria.
Sete anos foram precisos para nova luz, desta feita por carta em caligrafia combalida e expressões pouco condizentes com o que se lhe conhecia. Queria recuperar a sua identidade, há algum tempo roubada nas ruas de Madrid. As condições e formas das novidades levantaram inquietações a quem ele agora pedia um certificado que atestasse o seu nascimento e as suas raízes. Após uma investigação policial, através de cá, feita lá, concluiu-se que a morada do remetente era de uma casa sem ninguém. Os sem-abrigo usavam-na como apartado exclusivo e vigiavam o carteiro. Era mesmo o próprio que queria recuperar a sua identidade, algures arquivada numa conservatória do registo civil. Mais nada, não queria mais nada. O seu pedido foi atendido, com excepção do mais nada. Novamente o silêncio. Sete meses depois soube-se mais pormenores: tinha sido atropelado, o que o fragilizara mais do que já era. Uma associação acolheu-o. Mas a doença genética encontrou terreno fértil para progredir e degradar os músculos de todo o seu corpo.
Até recuperar a sua identidade, lutou.
Quando a recuperou, perdeu forças, depois… desistiu.
Recusou tratamentos, medicação, comida e até contactos com Portugal. A notícia veio através da embaixada: se ninguém reclamasse o corpo seria enterrado como indigente.
O irmão, mais velho que cá deixara, também estava muito doente e internado. A esposa, ou procuradora, que na prática e legalmente era a ex-esposa, acompanhava-o quando podia. Nada era o que parecia. Nada parecia o que era. Mas proibiu que se lhe desse a noticia sobre o irmão e colocou reticências a que se trasladasse o corpo: era muito caro. Alguma coisa se havia de fazer e fez-se, curiosamente com os que menos, ou pouco, tinham: outro grau de família e amigos. Sete dias depois, com cinco dias para decidir, cremarem e trasladar para o funeral junto dos seus.
Os abastados compareceram: não haveria espólio mas era de borla e ficava bem na fotografia. Tudo boa gente. Gente que ama a terra em que nasceu.
O irmão não teve a confirmação quando disse: - Sinto que o meu irmão morreu.
De volta outra vez, para lá da sua identidade, do seu regresso para repousar junto dos seus, vale por tudo o que nos faz sentir, vale por tudo em que nos faz pensar…
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discussão
De
devoltaoutravez
a 06.05.2009 às 23:18
OBRIGADO mesmo pela partilha, pela palavras e por tudo o que elas me fizeram mais do que ler pensar...
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